terça-feira, 28 de junho de 2011

Frey: o paraíso da escalada móvel.

Tudo bem, eu sei que demorou, mas está aí. Depois de quatro meses relato sobre o Frey pronto. Na verdade estou tentando me recuperar de uma virose horrível que me atacou tudo o que foi possível do pescoço pra cima. Com uma semana em casa sem fazer nada, não tive desculpas de não atualizar o blog. Divirtam-se!


Depois da volta de Cochamó, passei uma noite em Puerto Montt para repor as proteínas e tomar aquele banho. No dia seguinte me despedi do Seco, do Tiago e do Robledo e peguei um ônibus até Bariloche. Estava acompanhada do mineiro Luiz que conheci em Cochamó.
A viagem durou cinco horas e foi muito tranquila. Passamos por paisagens de tirar o fôlego: vulcões, lagos, montanhas. Eu ainda tive a sorte de sentar ao lado de uma alemã muito simpática que conhecia muito a região e que pretende morar na Argentina. Chegamos à Bariloche à noite e fomos direto a um hostel passar a noite. Depois de café e almoço reforçados e de algumas compras no super, arrumamos as mochilas e pegamos o ônibus até o Cerro Catedral. Eram 16h da tarde quando iniciamos a trilha e o tempo estava nublado, ameaçando chover (o que nos ajudou, pois a trilha é muito exposta ao sol). A trilha é muito tranquila, praticamente o tempo inteiro você caminha no plano, com pouquíssimos trechos íngremes e perigosos. O problema realmente era o peso das nossas mochilas. Eu estava levando uns 30 quilos e o Luiz um pouco mais. Tínhamos que fazer paradas de meia em meia hora por causa das dores nos ombros e nos quadris. Chegamos ao refúgio Emilio Frey às 21h, ao anoitecer, totalizando cinco horas de trilha, um tempo super bom para quem sobe carregado.
Inicio da trilha. Civilização à vista ainda.

Olha a cara do Luiz na trilha, hehe!
Chegamos abaixo de tempo ruim: chuva, frio e vento. Mas fomos recebidos com muito calor pelos outros montanhistas, que nos ofereceram chá. E como tem brasileiro em qualquer parte do mundo, no Frey não poderia ser diferente. Já na chegada encontramos quatro brasileiros. O casal Aline e Leonardo (ela do Rio Grande do Sul e ele de Santa Catarina, mas que atualmente vivem no Acre) e os paulistas Camilo e Alex. A noite não foi muito agradável, pois eu acordava a todo o momento assustada com as rajadas de vento super fortes. Sinceramente tinha medo que a barraca voasse, hehehe. O primeiro dia amanheceu fechado, chovendo, com frio e muito vento, ou seja, “no climbing”. Aproveitamos para arrumar um bom local para as barracas, conhecer melhor o refúgio e os outros montanhistas e escolher a primeira via que iríamos entrar.
Refúgio Frey.

Acampis.

Optamos pela agulha Taipa, que fica no vale do Campanilhe. Para se chegar a essa agulha tem que se fazer uma trilha (que não é muito bem marcada) com subida e descida por pedras soltas, bem cansativa. Chegamos onde suponhamos que seria a base da via que gostaríamos de entrar e nos deparamos com a primeira surpresa do Frey: onde está a via? Olha para o croqui, olha para a parede, mas as coisas não fazem muito sentido e a via não tem uma proteção fixa para marcá-la. Nesse momento encontramos quatro escaladores do Ceará: Damito, Julio, Tiago e Mario. Eram duas vias, uma ao lado da outra. Entramos no que parecia linha de via, os cearenses em uma, o Luiz e eu em outra. Realmente foi complicado porque a via não tinha nem parada fixa. Era a primeira vez que eu ficava segura por uma parada móvel. E como é difícil e demorado confiar naquelas peças entaladas. O Luiz começou a guiar a segunda enfiada (mesmo sem termos certeza se estávamos na via que gostaríamos de estar) e se deparou com um trecho exposto e tecnicamente difícil para uma via supostamente graduada em 4º no croqui. E agora, como descer no meio de uma via sem nenhuma proteção fixa? Perto da primeira parada havíamos reparado numa parada feita com uma fita laçada a um bloco de pedra com uma malha rápida. Provavelmente feita por alguém que também entrou em roubada na via. Rapelamos por essa parada (com o músculo do medo contraidíssimo) até a parada fixa que tinha na via ao lado. Depois de mais um rapel e uma desescalada fácil, chegamos ao chão novamente. Nossa, bastante emoções para o primeiro dia de escalada. Ali começamos a ver que a escalada no Frey não era moleza.

Luiz na 1ª enfiada na Taipa.

No segundo dia de escalada escolhemos entrar em uma via mais clássica e de fácil acesso: o diedro e a fenda de Jim, na agulha Frey. Linda via, apesar de eu sofrer um pouco pela falta de técnica em fenda, mas nada que não se aprenda. Nessa escalada tivemos o prazer de conhecer os argentinos Maxi e Roberto e o espanhol Javier, que se tornariam grandes parceiros de escalada, de conversas no acampamento e de noite regada a vodka em Bariloche, hehe!

Maxi em sua: primera ruta clasica.

Eu limpando a Fenda de Jim.
No terceiro dia de escalada entramos numa outra via super clássica: Del Diedro na agulha M2. O acesso a ela é um pouco mais demorado do que a agulha Frey, malditos acarreios novamente! A escalada é só desfrute: lindo diedro de 30 metros que dá acesso a um cume espetacular, bem estreitinho. Nessa escalada encontramos Maxi, Roberto e Javier acompanhados de um polaco muito louco: o Arek (Antônio em polonês) que, carinhosamente, Luiz e eu apelidamos de Toni. Depois de escalarmos a Del Diedro, o Luiz e eu fomos dar uma olhada na agulha Perfil de Mujer, que fica bem pertinho da M2. Eu estava em busca de alguma via tranquila para poder treinar colocações em móvel. O Luiz me incentivou a entrar na Perfil de Mujer. Eu olhei, fiquei meio desconfiada das pedras soltas e de uma fenda estreitinha no final, mas fui e mandei! Minha segunda via em móvel e a primeira do Frey. O Luiz subiu de segundo limpando e comentando cada colocação. Baita aula! Na noite ainda tinha festa de aniversário do refúgio. Muita comida, conversa, música e, principalmente, muito vinho! Foi tanto vinho que rendeu uma bela ressaca e um dia a menos de escalada....
Luiz na Del Diedro.

Luiz e eu na Del Diedro. Foto: Toni.

Linda agulha M2.

Eu na Perfil de Mujer.

Outra da Del Diedro.

Depois de recuperados da ressaca, bora escalar!! Entrei com o Luiz e com o Leonardo na via que acredito ser a mais clássica de todo o Frey: Sifuentes Weber na agulha Frey. A via é realmente um espetáculo. Sem exageros, essa foi a escalada tradicional mais bonita que fiz até hoje. A primeira enfiada começa com uma fenda onde você tem que atravessar duas “barriguinhas” chatas. A segunda enfiada é o filé mignon da via: fenda, fenda e fenda, com pés em aderência (confia na sapatilha) e uma travessia no final com entalamento de punho, show de bola. Cheguei sorrindo na parada de tão prazeiroso que foi escalar aquela enfiada. A terceira foi a mais crux para mim. Começa com um diedro que vai ficando cada vez mais vertical e difícil. Depois que você sai do diedro, tem uma travessia embaixo de um teto que é puro psicológico. Eu tive que pensar mais de uma vez até prosseguir (não podia cair porque, mesmo de segundo, o pêndulo seria animal). A quarta e última enfiada é só desfrute. Ali eu me senti em casa, pois o final dessa enfiada segue por uma placa com agarras estupidamente boas. Nossa, foi muito legal chegar a esse cume! Apesar de todo o vento e todo o frio, mas isso faz parte da escalada na patagônia.
Feliz na Sifuentes Weber.
Luiz, Leo e eu no cume da agulha Frey.
Eu tinha poucos dias para ficar no Frey, apenas 10. Restava-me ainda uns três dias. Eu gostaria muito de escalar nas agulhas Principal e Campanilhe, mas devido a grande distância das duas agulhas eu tive que optar por apenas uma nessa viagem. Escolhi conhecer a Principal. Acordamos cedo e enfrentamos quase três horas de trilha. Fomos em um grupo grande: eu, Luiz, Javier, Roberto, Maxi, Toni e uma garota americana. A vista da base da agulha Principal é incrível: a cordilheira com os picos nevados, lagos, condores, um espetáculo. Porém nem tudo é perfeito, ventava muito forte, tanto que era difícil se movimentar na direção do vento. Ficamos na dúvida se daria pra enfrentar a escalada. A americana, muito corajosa, tomou a frente e entrou na via Normal. Mas desceu da segunda parada porque estava “quase voando”. Assim, apesar de todo o esforço e tempo para chegar lá em cima, tivemos que descer sem escalar a Principal. Triste pois eu estava tão empolgada que já estava me equipando para entrar guiando a primeira enfiada da Normal. Mas com certeza eu volto lá.
Vista espetacular da base da agulha Principal.
No último dia de escalada, um domingo, escalei com o Luiz no setor da Yan Pipol que fica pertinho da agulha Frey. Eu guiei uma fenda bem fácil para treinar colocações e já aproveitamos e escalamos uma via de placa com regletes minúsculos ao lado dessa fenda, Sudor Frio. Essa foi a minha despedida do Frey nesse ano.
Eu treinando escalada móvel.
Na segunda acordamos bem cedo para enfrentar a a trilha de descida. Chegamos a Bariloche e tomei o melhor banho de toda a minha vida, olhei os e-mails e comemos muita salada (o corpo tava pedindo uns vegetais frescos). Á noite acompanhei os meninos em uma parrillada e eles se entorpeceram com a vodka do polaco, hehehe! Terminamos em uma das famosas sorveterias de Bariloche. Essa foi a minha despedida da Patagônia esse ano com a certeza de uma coisa: ano que vem tem mais!

Amigos. Da esquerda para direita: Luiz, Javi, eu, Toni, Roberto e Maxi.

Parillada.

Noite em Bariloche.

O que sobrou dos 45 dias de viagem.
 Fotos: Vanessa Staldoni e Luiz Celso.